Costumo
defender as minhas ideias sobre educação abertamente com os colegas de
profissão por onde passo. Desta forma pretendo conscientizar exatamente quem
precisa estar mais atento aos discursos ideológicos educacionais vigentes no
Brasil.
Sem dúvidas é importante que os
professores sejam protagonistas de uma revolução na forma de se pensar o
universo escolar. No entanto, poucas vezes me vi inclinado a escrever para
aqueles que ficam longe destes debates na escola, ou que, apesar de perto, não
percebem o que se passa por detrás dos bastidores.
Os textos que escrevi,
desabafando sobre algumas surpresas desagradáveis que encontrei no início da
minha caminhada no magistério, se encontram neste mesmo blog, todos na
categoria "educação" (sobretudo o texto Decepção). Recomendo a
leitura deles, mas não agora.
No momento, alunos e
responsáveis, quero convidá-los a conhecer um pouco a realidade dos
professores. Como não conseguiria abordar todos os assuntos referentes a minha
profissão, escolhi um dos que mais me incomodam. Saberemos do que se trata
depois.
Antes de mais nada, quero dizer
que não tenho a pretensão de achar que falo em nome de toda uma classe. Haverá
colegas que vão alegar que nunca passaram pelo que irei relatar, ou teremos
outros que argumentarão que o que digo é pouco frente ao que ocorre com eles.
Não obstante, tentarei ser fiel ao que vivi, vivo e compartilho em conversas e
testemunhos com inúmeros professores do meu convívio diário.
Para início de conversa, pare e
pense: Você, aluno, deseja ser professor? Você, responsável, deseja que seu
filho se torne um docente? Parabéns se você disse "sim", você faz
parte de uma minoria. E isso não foi sempre assim. Até pouco tempo atrás, era
motivo de orgulho ter um filho no magistério. Hoje em dia, diversas áreas estão
em estado crítico, pois não existem profissionais formados ou dispostos a
trabalhar nas escolas. Por que isso?
Em um processo gradual, a
partir da década de 1960, o professorado passou a sofrer diversas perdas.
Economicamente, politicamente, socialmente e culturalmente, deu-se início a um
processo de desvalorização da profissão.
Não é o meu objetivo, ao menos
neste momento, investigar e debater os inúmeros fatores motivadores para que
chegássemos a esta situação, pois a minha intenção agora é demonstrar em que
condição somos obrigados a trabalhar. O fato é que, coincidência ou não, a
educação acompanhou esta decadência e hoje se encontra numa situação caótica.
Não confiem nos números! As
propagandas governamentais que exibem melhorias no famigerado IDEB são pura
enganação. O que se percebe, atestado por quase todos os docentes, é que a cada
ano que passa o nível dos alunos parece piorar.
Antes que escute reclamações, é
preciso frisar que não estou dizendo que os alunos estão "mais burros",
mas que estão "menos preparados". Por que isso?
Primeiro por que a cobrança das
famílias diminuiu. É só você, responsável, parar e lembrar de como a sua
família te exigia nos estudos. Será que você cobra o mesmo do seu filho? Se o (a)
senhor (a) disse sim, então ignore esta parte... Apenas te agradeço por sua
posição. Se sua resposta foi não, eu te pergunto: como pode querer que a escola
prepare seu filho se você não está fazendo a sua parte?
E qual é a parte da família? É
simples, dar condições para que o seu filho estude (bom ambiente, material,
horários definidos) e cobrança, muita cobrança. O ser humano rende muito mais
quando é exigido ao máximo. Faça o seu filho entender que o estudo não é
importante, e sim fundamental para que ele, na idade adulta, possa ser bem
sucedido.
Nós professores costumamos
perceber que os melhores alunos são aqueles que tem uma família bem estruturada
e atuante. E verificamos que o inverso também é verdadeiro.
Pois bem, estar perto dos
filhos e cobrar um bom desempenho esta é a parte dos responsáveis.
Em segundo lugar, os alunos
hoje estão mais "desinteressados" com os estudos. Um pouco por causa
da pouca atenção dos pais. Tenho alunos que não dão a mínima quando recebem uma
nota baixa. Quando pergunto o que os responsáveis dizem, ele apenas responde
que não ligam. Parece o fim do mundo, mas acreditem, existem pais que apenas se
preocupam com a ida do filho à escola. O que fazem? Não importa! Se no fim do
mês o Bolsa família estiver na conta está bom. Vê se não falta, heim filho!
Triste realidade. Acreditem, isso acontece. E não é pouco.
Mas não é só por isso que eles
estão sem interesse pelas aulas. Você já comparou as opções de lazer que os
nossos avós tinham na sua infância/adolescência? Pois é, dois fatores fazem com
que os alunos tenham um mal desempenho em relação a isso: primeiro porque as
aulas não acompanharam o avanço tecnológico, o que faz com que o quadro-negro
pareça uma chatice; segundo porque o sedentarismo das opções de entretenimento
(TV, computador, videogame etc.) faz com que o adolescente acumule energias...
e sabe aonde o corpo dele compensa a falta de movimentos? Na sala de aula.
Independente de tudo isso, é
importante que você, aluno, entenda que a escola é lugar de conhecer pessoas e
se relacionar com elas, sim. Porém, sala de aula é local de estudo. Existe hora
pra tudo. E se você não aproveitar a "hora" que está vivendo, vai
perceber da pior forma possível que "o tempo não pára".
Pois bem, disciplina e
interesse, esta é a parte do aluno. Com ambos, o aprendizado é quase garantido.
"Eu garanto!"
Sei que estou fugindo um pouco
do assunto, comecei a escrever para mostrar a pais e alunos qual é a realidade
dos professores, as dificuldades que enfrentamos na nossa profissão.
Por algum motivo, acabei comentando
como vocês podem contribuir para que o nosso trabalho seja facilitado. Espero
ter ajudado um pouco.
Mas para falar sobre o que
passamos, queria antes dizer o que queremos. E aqui, falarei muito mais num tom
pessoal do que em nome da classe. Afinal de contas, cada um está nesta ocupação
por um motivo. É impossível abranger todas as expectativas.
Eu sei muito bem por que estou
aqui. Por causa de uma história de vida peculiar, sempre tive dificuldades em
relacionamentos. Timidez e rebeldia se revezavam nos momentos em comum com
outros. Por muito tempo, busquei maneiras de me aproximar e de conviver com as
pessoas sem que estas duas características não se manifestassem.
E foi justamente na escola que
comecei a perceber que as pessoas se aproximavam daqueles que se destacavam em
algo. Eu deveria me diferenciar, mas como?
Comecei a me transformar, de um
aluno regular passei a ser um dos melhores da turma. Encantei-me quando me vi
rodeado de colegas, nem que fosse para saber a resposta da lição de casa.
Foi assim que comecei a
aprender a me sociabilizar ensinando. Reunia-me em grupos após a aula e
tirava as dúvidas dos colegas que tinham dificuldades.
[..]
Não há dinheiro do mundo que
pague o orgulho de ter contribuído, de alguma forma, para o crescimento de uma
pessoa. Saber que você pode mudar, nem que seja um pouquinho, a vida de alguém,
é muito mais do que uma responsabilidade, é uma missão.
Sempre fui uma pessoa com
ideias meio revolucionárias no campo político-social. Acredito que o mundo
possa ser menos imundo do que é. Creio que as desigualdades possam ser
diminuídas, mesmo sabendo que jamais serão abolidas.
O que a educação tem a ver com
isso? Tudo! A educação é comprovadamente o meio mais fácil e duradouro para
conter as desigualdades sociais.
Quando me vi no setor público,
imaginei que esta era a oportunidade para colocar o meu trabalho a serviço do
meu sonho.
Pensei que poderia de alguma
forma, ajudar que alunos da escola pública, claramente com menos oportunidades
do que aqueles que se encontram no setor privado, tenham possibilidades de
ascender socialmente através da educação.
Quero que o meu aluno possa ter
iguais condições, quem sabe até maiores, de acesso ao ensino superior do que o
aluno "rico". Quero que ele possas ter uma profissão melhor do que a
do pai dele. Quero que ele possa remar contra a maré que o empurra para baixo
da pirâmide social.
Achei que este parênteses era
necessário e pertinente para passarmos ao próximo ponto. Os meus sonhos estão
sendo sufocados, contidos por um sistema que insiste em expurgar todos aqueles
que lhe são contrários e engole todos os outros que aceitam a realidade como
inevitável.
Chegamos, finalmente, ao ponto
primordial do que desejo falar. E não vou perder tempo em rodeios. Vou direto
ao assunto - o que mais me decepcionou na educação foi a cobrança por
"rendimento".
Se você não sabe do que estou
falando e, por isso mesmo, não tem ideia de como isto está prejudicando o
ensino no país, preste bastante atenção.
Por uma série de razões, que
discutirei em seguida, o professor é levado a aprovar alguns alunos, mesmo que
ele não tenha desenvolvido as habilidades e competências necessárias para isso,
em nome do bom "aproveitamento".
Basicamente, para determinar o
"rendimento" ou "aproveitamento" dos professores, faz-se um
cálculo simples de quantos de seus alunos obtiveram notas acima da média.
A pedagogia vigente no país
propaga o discurso de que o professor que tem sucesso em sua profissão é aquele
que consegue um "bom número", ou seja, que aprova bastante. Consequentemente,
aqueles professores que reprovam mais são vistos como fracassados. Como ninguém
gosta de ser chamado de fracassado você imagina o que acontece na cabeça do
professor.
O erro e o grande perigo estão
em alguns pontos: quando uma turma tem muitos reprovados, somente o professor
deve ser visto como "fracassado"? Ele deve carregar sozinho a culpa
pelo insucesso escolar? Os fatores que levam à reprovação não seriam múltiplos?
Por outro lado, uma turma com praticamente 100% dos alunos aprovados significa
que todos estão preparados? Se estão, porque o desempenho dos alunos
brasileiros (sobretudo do setor público) nas avaliações institucionais de nível
nacional são tão medíocres? Como podemos explicar uma escola com 90% de
"aproveitamento", com uma média de 45 % de "rendimento" nas
avaliações da Prova Brasil, para citar um exemplo? Aonde está o problema? Será
que as provas são demasiadamente complexas ou os alunos brasileiros estão sendo
"passados de ano" de qualquer maneira?
As avaliações desenvolvidas em
nome do Ministério da Educação são unânimes em apontar uma realidade: os
alunos, por exemplo, do terceiro ano do Ensino Médio estão em um nível
desejável ao 9° ano do Ensino Fundamental. E como será que ele conseguiu chegar
lá? O professor, certamente, deu uma "ajudinha".
O grande problema desta
prática, senhor responsável, é que, você sabe muito bem disso, a vida adulta
não dá "ajudinha" pra ninguém. Quando se faz uma entrevista de
emprego, a empresa quer saber se o candidato é capaz de exercer o cargo ou não.
O empregador não contrata ninguém porque ele é "bonzinho" ou
"bonitinho". Quando se faz um concurso público, o Estado não quer
saber se seus pais são separados, se você apanha do se tio, se mora na favela
ou trabalha de noite para ajudar sua família. São aprovados somente os mais bem
colocados.
Entretanto, na contramão do que
a escola deveria ser a pedagogia brasileira "passa a mão na cabeça"
dos alunos. Na verdade, se distancia da sua real função preparar o
indivíduo para a vida. Desta forma, vende-se para o adolescente a falsa ideia
de que a vida, assim como "passar de ano" é moleza, não carece de
esforço.
Não são somente os discursos
ideológicos que fazem com que o professor se veja inclinado a aprovar
"qualquer um". Como muitas verbas da educação estão amarradas ao
desempenho no IDEB. Muitos daqueles que tem a gestão educacional, nos
municípios e nas escolas, utilizam outros métodos para manter os números altos.
Não é novidade para ninguém que
a maioria dos professores trabalha em mais de uma escola. Certo? E para que
isso ocorra é necessário que os horários se encaixem. Certo? Para que os
horários se ajeitem é preciso que se converse com seu diretor para ele dar uma
força. Certo? Pois é, mas e se o professor contraria o que o diretor
"pede"? Será que ele vai ser camarada com o docente?
Sabe aqueles dias que ocorrem
imprevistos e o professor precisa faltar? Se você é um profissional que é
"da turma" do diretor, tudo certo. Ele abona as faltas para ti. Mas
só se for da turma, senão...
Pois bem, com dois exemplos,
tentei mostrar como a escola pode prejudicar a vida do professor se ele não
obedece aos "pedidos" vindos de cima. E quando se ganha mais verbas
proporcionalmente ao aumento das aprovações, você imagina qual é o pedido
destes gestores.
A grande questão a se pensar, e
a se enfrentar, agora é: queremos que as coisas continuem desta forma? Se
continuar, manteremos a estrutura social desigual que vivemos. Ou você acha que
o rico coloca o filho dele numa escola em que os professores aprovam
"qualquer um". Na verdade, os melhores colégios do Brasil são aqueles
que, notadamente, oferecem o ensino mais "puxado", que exigem o
máximo dos discentes.
Você, responsável, quer
continuar a ver o seu filho numa escola onde "facilitamos" (como já
foi pedido a mim por uma supervisora) para que ele "passe de ano"?
Você, aluno, quer continuar estudando numa escola em que não é necessário tanto
esforço para ser aprovado? A resposta de hoje dirá muito do que a vida guarda
para vocês amanhã.
(autor não conhecido, mas que diz exatamente o que penso)
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